Reflexões necessárias sobre o mestrado profissional

Reflexões necessárias sobre o mestrado profissional

Reflexões necessárias sobre o mestrado profissional

 

 

Autores:

Vladmir Oliveira da Silveira

Felipe Chiarello de Souza Pinto

Resumo

Este artigo trata do mestrado profissional e sua função, sobretudo em face da especialização e da proliferação de cursos de pós-graduação lato sensu sem qualidade em nosso País, não como forma de resistência ao MP, mas sim como uma forma de que, seus objetivos e a sua área de atuação não se sobreponham aos demais níveis de estudos de pós-graduação.

Palavras-chave: mestrado; especialização; pós-graduação.

 Abstract

The following article discusses the Professional Master’s Degree and the issues arising from questioning the role of specialization and the proliferation of low quality graduate courses in our country, not as a form of resistance to the degree itself, but rather as to how to insure that its objectives and areas of expertise do not overlap with other levels of graduate study.

Keywords: master’s degree; specialization; graduate courses.

Introdução

Alguns temas discutidos no Congresso Nacional dos Pós-Graduandos sempre causam maior polêmica que outros, contudo, poucos debates têm sido tão acalorados quanto o relativo ao mestrado profissional (MP).

Em 2001, várias preocupações concernentes à educação brasileira foram colocadas pela diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) no Encontro Nacional de Jovens Cientistas na SBPC. Algumas dessas, continuam ainda permeando nossas discussões.

As vésperas de uma reforma universitária ampla e controvertida, ao mesmo tempo em que é lançado o Plano Nacional de Pós Graduação 2005-2010 torna-se fundamental a construção de um canal de diálogo mais aprofundado no sentido de evitar graves e desnecessários erros.

Nesse sentido, é importante salientar e reconhecer a oportunidade que a direção da Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) tem oferecido não só à ANPG, mas também às demais associações docentes e pesquisadores vinculados à pós-graduação para trazerem suas idéias, na esperança de que essas idéias sirvam também como contribuição para o debate sobre o mestrado profissional.

Carências históricas da graduação, relativas à iniciação científica, além da estrutura física e didática das instituições de ensino superior, têm sido o ponto de partida para esse debate. Os programas com sólida produção na área educacional, mais especificamente na graduação, a exemplo do Programa Especial de Treinamento, hoje chamado de Programa de Educação Tutorial (PET) foram fortemente desestimulados e seus recursos podados pela política do Ministério da Educação, no último governo. Sabedores da importância da iniciação científica, na preparação do aluno para a pós-graduação ainda na graduação, acredita-se que a atual administração federal deva priorizar também os investimentos nessa área.

Já para os cursos de especialização, faltou a tradição de avaliação da qualidade que acompanhou o desenvolvimento dos mestrados e doutorados.

Nesse sentido, pode-se dizer que a pós-graduação lato sensu foi deixada de lado na política da educação brasileira, apenas sendo lembrada, mais recentemente, quando o Ministério da Educação, em 2004, iniciou um cadastro, com o intuito de realizar um mapeamento completo dos programas existentes no País. Sendo assim, impossível não sentir os reflexos desse abandono no profissional/estudante que busca um aperfeiçoamento após a conclusão de sua graduação, sem a intenção de adentrar na carreira acadêmica.

Para muitos, essa é uma das principais justificativas do mestrado profissional, no sentido de resguardar o aperfeiçoamento do profissional que deseja aprofundar ainda na universidade seu conhecimento obtido na graduação, uma vez que o mercado de trabalho cada vez mais exige profissionais que consigam solucionar problemas do cotidiano que impliquem na união de esforços práticos e teóricos.

Na atual conjuntura, parece que, por um lado, tanto o mercado, como os trabalhadores, muito insatisfeitos com a multiplicação de cursos de pós-graduação lato sensu de qualidade discutível, justamente, por falta de um maior acompanhamento e avaliação da Administração Pública; por outro, a comunidade acadêmica tem convicção de que o sistema da pós-graduação encontra na avaliação Capes critérios rígidos de qualidade para a recomendação e manutenção dos programas de mestrado e doutorado no País.

Desse modo, imagina-se, em tese, que um mestrado profissional viria a suprir a lacuna existente no sistema com relação à qualidade da pós- graduação lato sensu. De acordo com esse raciocínio, o profissional, de qualquer uma das áreas do conhecimento, buscaria o aperfeiçoamento dos seus estudos, num programa que teria uma rígida avaliação da comunidade acadêmica, garantindo assim sua qualificação.

Entretanto, o MP também traz um outro importante diferencial para a sociedade e para o próprio mestrando, que é justamente o produto final desse mestrado: a ênfase na adição de valor social ao mercado de trabalho e à comunidade em geral, focando a profissionalização e gestão das mais diversas formas de atividades sociais, empresariais, tecnológicas e até culturais.

Em outras palavras, pode-se dizer que a Capes aposta na soma do aspecto prático ao teórico, com ênfase em problemas externos à academia, porém com qualidade avaliada e atestada dentro dos rigores dessa (academia) para garantir programas de relevância para o País, além de sedimentar uma larga ponte de mão dupla entre a comunidade acadêmica e os demais setores da sociedade, que necessitam de estudos e pesquisas de qualidade, principalmente, aqueles relativos às atividades tecnológicas.

Algumas reflexões e críticas que ainda persistem em relação ao mestrado profissional

No que pese os salutares objetivos e preocupações da Capes, é de fundamental importância que façamos uma reflexão não só sobre o raciocínio acima exposto, mas também sobre a forma como foi regulamentada esta modalidade de mestrado. No nosso entender, há distorções e equívocos dentro desse quadro, que alguns desenham como ideal, que são merecedoras de nossas preocupações e críticas.

Lendo com atenção recente matéria sobre o assunto do jornal Folha de São Paulo, pode-se ponderar algumas dessas preocupações com serenidade e clareza. Segundo Mário Miyake, coordenador da pós-graduação em Engenharia da Computação do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), o intuito do seu programa é formar alunos para o mercado de trabalho (Rovani, 2005). Na mesma entrevista, Patrícia Coelho de Soarez, aluna de um mestrado profissional, afirma: “Queria ferramentas profissionais. No acadêmico, tudo é visto pelo lado teórico”. Para o diretor de avaliação da Capes, Renato Janine Ribeiro: “Nós temos dois objetivos: capacitar profissionais que aumentem a competividade das empresas e formar atores sociais” (Idem).

O objetivo de capacitar melhores profissionais para as empresas é claramente aferido no MP, porém, a formação de atores sociais não se apresenta com a mesma facilidade, pois tais profissionais não demandam apenas a junção de conhecimentos teóricos e práticos, mas também uma maior capacidade reflexiva que necessitará de um maior aprofundamento teórico próprio do mestrado acadêmico.

Porém, se o foco do programa não for a formação de atores sociais, mas apenas e tão-somente sua capacitação para determinada problemática, indaga- se: será que essa não seria a função da especialização? Dirce Mendes Fonseca (2004), tecendo considerações sobre a pós-graduação lato sensu afirma que:

Pode-se dizer que a ‘desregulação que permitiu a proliferação dos cursos de pós-graduação sem qualidade em todo país’, da qual fala o ministro Tarso Genro, é resultado da regulação flexível e da política de educação superior dos últimos anos, sob a égide mercadológica.

Nesse sentido, propõe que a reestruturação da pós-graduação lato sensu deva ocorrer com:

(…) o papel regulador do MEC/CNE-CES/Capes; a exigência de conteúdo didático-pedagógicos, como oferta optativa para os cursos com o objetivo técnico-profissional e obrigatória para os cursos voltados para a formação no magistério superior; a exigência de defesa pública de monografia ou de trabalho final de curso.

Assim, tem-se a sensação que a especialização regulamentada com rigor resolveria as demandas de capacitação desses profissionais.

Importante frisar que se insiste nesse aspecto não como forma de resistência à idéia dessa nova modalidade de mestrado, mas com real preocupação de ver uma nítida intersecção entre os objetivos e áreas de atuação não só entre os dois tipos de mestrado, mas também entre o profissional e a especialização. Conforme bem aponta Dirce Mendes Fonseca, dissertando sobre a revisão da Resolução CFE nº 12/83 e a criação da Resolução CES nº 3/99 que regula os cursos de especialização:

No entendimento da Capes, a nova regulamentação justificava-se pelos seguintes motivos:

f) o interesse crescente pelo mestrado profissionalizante recentemente regulamentado pela Capes (Portaria 80, de 16/12/98) que pode operar em espaços e com clientelas comuns às dos cursos de especialização e a conseqüente necessidade de uma definição mais clara de níveis de pós-graduação e respectivas funções;

g) o hiato que se criou no sistema de pós-graduação entre lato e stricto sensu que impede a integração do setor como um todo, deixando os cursos de especialização sem uma regulamentação adequada e um sistema de avaliação.

Portanto, a superação dessa primeira crítica é de extrema relevância não apenas do ponto de vista organizacional do sistema nacional de pós-graduação, mas também de segurança e transparência para o cidadão brasileiro, que pretende continuar seus estudos após a graduação.

Não se pode deixar de destacar que, na mesma reportagem da Folha, a sua autora, após pesquisar sobre o assunto informa que (ROVANI, op. cit.):

o mestrado profissional entrou com força no currículo de grandes universidades para formar quem foge da idéia de passar dias trancados em uma sala de aula. Criado em 1998, esse modelo já representa 7% dos cursos de pós-graduação (mestrados e doutorados) no país.

E, de acordo com informações obtidas na Capes, estima-se que representará um quarto da pós-graduação em cinco anos.

A segunda grande preocupação e talvez a maior crítica de parte significativa do Movimento Nacional dos Pós-Graduandos acerca do MP diz respeito ao paradoxo existente entre os objetivos desse mestrado e o valor do seu título. De acordo com a informação veiculada no sítio da Capes:1

o ‘Mestrado Profissional’ é a designação do Mestrado que enfatiza estudos e técnicas diretamente voltadas ao desempenho de um alto nível de qualificação profissional. Esta ênfase é a única diferença em relação ao acadêmico. Confere, pois, idênticos grau e prerrogativas, inclusive para o exercício da docência, e, como todo programa de pós-graduação stricto sensu, tem a validade nacional do diploma condicionada ao reconhecimento prévio do curso (Parecer CNE/CES 0079/2002.

Segundo ainda o documento informativo nº 2, de 15 de setembro de 1999, aprovado pelo Conselho Técnico Científico (CTC) da Capes em sua 50ª reunião:

1- O Mestrado Acadêmico e o Profissionalizante têm, pois o nível de formação e padrão de qualidade equivalentes, embora cumpram propostas diferenciadas de habilitação profissional. (…)

2- A criação do Mestrado Profissionalizante responde a uma necessidade socialmente definida de capacitação profissional de natureza diferente da propiciada pelo Mestrado Acadêmico (…)

3- Com a oferta do Mestrado profissionalizante, o Sistema Nacional de Pós-Graduação amplia sua interface com os setores não acadêmicos da sociedade brasileira e passa a se voltar também para a formação de mestres para o exercício de profissões outras que não a de docente pesquisador.

4- Admitido o fato de o Mestrado Profissionalizante assegurar uma habilitação profissional de natureza diferente da proposta pelo Mestrado Acadêmico, o diploma ou certificado de conclusão desse nível de formação deve especificar a modalidade de habilitação a que corresponde: Profissionalizante ou Acadêmica.

Portanto, um programa de mestrado que tenha como objetivo não formar docentes pesquisadores, isto é, apenas e tão-somente visar á capacitação profissional de natureza diversa da propiciada pelo mestrado acadêmico e que ainda não exige necessariamente uma dissertação final e uma banca formada apenas por doutores, poderá formar docentes para a graduação e pós-graduação stricto sensu das instituições de ensino superior (IES) brasileiras. Tamanho paradoxo causa espanto não só entre os pós-graduandos, mas também na sociedade brasileira.

Nesse sentido, inúmeras indagações sobre essa contradição surgem, como: por que um mestrado com objetivo apenas de capacitação profissional garante a qualificação à docência? Como um docente poderá valer-se de seu diploma para fins exclusivamente acadêmicos, quando seu programa de mestrado profissional tem finalidades outras que não a formação de docente pesquisador, considerando ainda que a Capes exige padrões rigorosos de pesquisa na sua avaliação dos docentes das IES? Em suma, como ambas titulações podem ser equivalentes se possuem objetivos distintos?

Entende-se que essas contradições e equívocos, ainda não corrigidos e respondidos satisfatoriamente pelo MEC, decorrem em grande medida da classificação do mestrado profissional como tal, ou seja, como pós- graduação stricto sensu. Note-se que se esses cursos fossem ministrados no âmbito do lato sensu, os diplomas (ou certificados) não garantiriam a habilitação à docência e o sistema voltaria a apresentar uma coerência interna. Assim, não se compreende a opção da Capes pelo mestrado profissional, quando a regulamentação da especialização resolveria senão totalmente, pelo menos grande parte da demanda do mercado pelos mestrados profissionais a exemplo do que já ocorre, restando apenas uma melhor regulamentação e acompanhamento do setor pela agência.

Portanto, a regulamentação atual da Capes, que confere equivalência do mestrado profissional ao acadêmico, principalmente, com relação à titulação, deixa claro a inadequação da simples substituição da especialização pelo mestrado profissional. Se a busca é pelo aperfeiçoamento profissional, porque daria direito á docência com á equiparação ao título de mestre?

Um dos pontos principais defendidos de forma contundente pela Capes é que algumas áreas de concentração possuem uma incontestável vocação profissional. Exemplos fáticos desse raciocínio são as figuras do protético na Odontologia, de alguns ramos das Ciências Médicas eminentemente profissionais, além, é claro, do sempre citado caso do mestrado profissional em concreto, dentro da Engenharia.

No entendimento da ANPG, a maior preocupação consiste em algumas distorções no raciocínio geral da Capes, resultantes da aplicação da proposta em casos concretos.

A Portaria da Capes nº 80, de 16 de dezembro de 1998, dispôs sobre o reconhecimento dos mestrados profissionais. Segundo a Capes, nesse documento, a criação desse tipo de mestrado visa atingir as seguintes finalidades:

a) a necessidade da formação de profissionais pós-graduados aptos a elaborar novas técnicas e processos, com desempenho diferenciado de egressos dos cursos de mestrado que visem preferencialmente a um aprofundamento de conhecimentos ou técnicas de pesquisa científica, tecnológica ou artística;

b) a relevância do caráter de terminalidade, assumido pelo mestrado que enfatize o aprofundamento   da formação científica ou profissional conquistada na graduação, aludido no Parecer nº 977, de 3/12/65, do Conselho Federal de Educação;

c) a inarredável manutenção de níveis de qualidade condizentes com os padrões da pós-graduação stricto sensu e consistentes com a feição peculiar do mestrado dirigido à formação

 

Observando-se atentamente as finalidades acima expostas, percebe- se que essas poderão, em tese, dar ensejo a solicitações de programas de mestrados profissionais, por exemplo, em direitos humanos para funcionários do sistema prisional brasileiro ou em perícia criminal para servidores da Secretaria da Segurança Pública. Ocorre, entretanto, que concluído o mestrado, esses profissionais poderão continuar a sua qualificação no doutorado, bem como ingressar na carreira acadêmica.

Todavia, como nem todas as Faculdades de Direito possuem a disciplina obrigatória de Direitos Humanos e de Perícia Criminal, esses provavelmente ministrariam aulas afins, sem a necessária experiência em pesquisa e didática do ensino superior. Portanto, mais um problema que ainda falta ser dirimido ou regulamentado pelas autoridades competentes é justamente em que medida os títulos obtidos nesses mestrados poderão ser utilizados na carreira docente, tendo em vista que o MP possui vocação nitidamente interdisciplinar.

Mas, as preocupações não se resumem aos aspectos acadêmicos. Um dos piores efeitos desta forma de mestrado (profissional) tem sido a utilização do espaço público de universidades federais e estaduais para feitura de programas de mestrado pagos. Este fato pode ser apontado como forma de privatização indireta da universidade pública e desrespeito frontal à Constituição Brasileira em vigor, a qual determina, no seu artigo 206, IV c/c 211, parágrafo 1º, respectivamente que:

Art. 206, IV da CF: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais (…) e

Art. 211, parágrafo 1º da CF: A União, os Estados, o Distrito-Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. Parágrafo 1º – A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir a equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade de ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

Portanto, pode-se afirmar que a criação de mestrados profissionais pagos dentro de IES públicas, principalmente federais, é no mínimo questionável do ponto de vista legal.

A vocação expressa para o autofinanciamento do mestrado profissional denota uma decisão política tomada pela direção da Capes no governo anterior, de permitir que o investimento para o mestrado profissional saísse da esfera exclusivamente pública e passasse também à iniciativa privada. Com isso, o que se observou na prática, e que persiste ainda hoje, foi o fato de que a universidade pública, em alguns casos, cedeu suas instalações, professores e até mesmo alunos para a realização de projeto externo à academia, mas não necessariamente voltado a demandas sociais e sim visando ao aperfeiçoamento tecnológico ou a uma pesquisa aplicada a um determinado produto, requisitado por um investidor particular.

Com a falta de recursos para universidades públicas e enormes desigualdades regionais, parece prima facie uma grande oportunidade à viabilização de recursos, em nome da modernização física e estrutural dos laboratórios, salas de aula mais bem equipadas e melhoria da qualidade do espaço de trabalho destas instituições.

No entanto, os previsíveis problemas vivenciados na prática como a cessão do espaço público para pesquisas de interesse único (ou no mínimo principal) de determinadas empresas, o que é ilegal, com o agravante do direcionamento de pesquisa, pautado de acordo com o pedido da iniciativa privada financiadora do mestrado profissional. Isto por si só já limita a independência acadêmica do curso, sem mencionar a possibilidade futura da limitação de entrada e saída de alunos e professores dos laboratórios, em nome do segredo industrial e da proteção da propriedade intelectual.

Um outro problema decorrente dessa falsa oportunidade é que deixam de ser abertos novos postos de trabalho dentro das empresas, na medida em que essas passa a utilizar não só as instalações públicas, como também a mão-de-obra universitária.

Com efeito, as empresas privadas passam a não mais investir na contratação de mestres e doutores formados, em razão do alto custo que poderiam representar para sua folha de pagamento. Ao invés disso, utilizam alunos de mestrado profissional, sob a orientação de um ou poucos professores da área, para assim evitarem o vínculo empregatício e baratearem os custos de produção. Nesse sentido, as oportunidades de emprego tornam-se cada vez mais reduzidas para os titulados no chamado setor produtivo.

Importante deixar claro que não há oposição ao investimento privado nas universidades públicas, mas sim que esse venha a substituir os deveres constitucionais do Estado. Note-se que existe uma forte ausência de garantia do investimento público nessa modalidade de mestrado, mesmo quando se objetiva a formação/capacitação de atores sociais, haja vista que dentro da Capes, mesmo nesses casos, o MP não será contemplado pelo programa de Demanda Social.

Outro problema recorrente no Movimento Nacional dos Pós- Graduandos (MNPG) é relativo à substituição a médio e longo prazo dos mestrados acadêmicos por profissionais. Levando-se em conta a preocupação do governo federal em reduzir o tempo de titulação e o parecer “Sucupira”, imaginamos que talvez em poucos anos, o acadêmico (com maior duração e com necessidade de produção científica publicada e indexada) seja substituído pelo profissional (com menor período de duração e sem ou menor necessidade de produção de material publicado e indexado).

A sinalização da agência sobre o tema é de extrema relevância, pois, para muitos estudantes surgirá o inevitável questionamento: para que fazer o mestrado acadêmico em no mínimo dois anos com uma necessidade expressa de uma defesa de dissertação, perante uma banca de examinadores composta só de doutores, se posso em um ano (ou num período menor do que o do mestrado acadêmico), com apenas um trabalho de investigação, uma análise, ou até mesmo um protótipo, ter o diploma de mestre com o mesmo valor acadêmico?

Frise-se que a tentativa de tornar a exceção em regra também diz respeito ao doutorado sem a necessidade anterior de um mestrado. Entende-se que os cursos de doutorado sem a passagem pelo mestrado ficam empobrecidos cientificamente, diante do atual quadro de ensino do País. Obviamente que ocorrem casos especiais em que o acadêmico/ bacharel possui características ímpares para ingressar diretamente no doutorado, entretanto esses não constituem regra. Desse modo, percebe- se salutar e necessária a definição de critérios mínimos nacionais e objetivos para o ingresso no doutorado sem a passagem pelo mestrado.

Importante destacar que, pelo raciocínio lógico, se o doutorado admite o ingresso sem mestrado, por que não temer que permaneça no futuro – não tão longe assim, haja vista que se estima que já em 2010 pelo menos 25% da pós-graduação seja formada por programas de mestrado profissional – no sistema da pós-graduação, somente o mestrado profissional voltado exclusivamente ao setor produtivo e, posteriormente, o doutorado, extinguindo desta forma o mestrado acadêmico? Isso sem falar na discussão já existente sobre o doutorado profissional.

O parecer “Sucupira” para os pós-graduandos não representa a conjuntura nacional. Com as carências do sistema, já expressas acima, estamos trabalhando na realidade com o acadêmico que chega ao mestrado, sem sólida formação científica.

Sendo assim, o doutorado sem a passagem pelo mestrado, prejudica, salvo raríssimos casos, a educação e pesquisa brasileira, como um todo.

Mais um último questionamento recorrente do Movimento Nacional dos Pós-Graduandos versa sobre o fato de alguns comitês de áreas ainda não terem definido de forma clara os critérios para nortear a avaliação da produção acadêmica dos mestrados profissionais, já que ela por óbvio não deve ser medida pela publicação e produção do mestrado acadêmico.

Também inexiste especificação com relação aos critérios para que mestres possam lecionar nos cursos de mestrado profissional. Entende-se que isso deveria ser expresso, bem como sua vedação em relação ao acadêmico, ou no máximo, exclusivamente, na área que possuía aderência e produção científica relevante.

Há anos o Movimento Nacional de Pós-Graduandos luta por questões fundamentais para o País, tanto nas demandas educacionais como nos princípios essenciais para o desenvolvimento da educação e política de ciência e tecnologia. Com efeito, não se pode deixar de registrar o compromisso assumido na última constituinte em relação á pesquisa científica.

A Constituição Brasileira determina expressamente:

CAPÍTULO IV Da Ciência e Tecnologia

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.

1.º A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do

Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.

2.º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

3.º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. (…).

Seguramente, o interesse estratégico do Estado em priorizar a pesquisa científica foi expresso desde a Constituição Federal de 1988. Desse modo, pode-se constatar que temos mais um déficit temporal de 17 anos com o cidadão brasileiro, que de alguma forma precisa ser corrigido. É necessária uma ação imediata para voltarmos a trilhar o nosso caminho dentro dos princípios estabelecidos nos Planos Nacionais de Pós-Graduação, principalmente do novo PNPG. Para tanto, devemos examinar problemas estruturais e não termos compromissos com equívocos do passado.

 

Conclusão

É importante destacar que o paradoxo apresentado acima é a grande preocupação da ANPG e do MNPG. Registre-se que não se trata de se colocar contra novas modalidades de ensino propostas pelo governo. Porém, acredita-se que uma maior discussão a respeito do mestrado profissional e, principalmente, sobre a maneira como deve ser atribuída sua titulação, forma de financiamento e implementação nas Ifes deva ser aprofundada por intermédio de um constante diálogo não só com o setor empresarial, mas fundamentalmente com o meio acadêmico. Nesse sentido, este artigo propõe reflexões e críticas, mais recorrentes e que geram as maiores inquietações no Movimento Nacional de Pós- Graduandos.

Referências

APG-PUC/SP. Gazeta – Boletim Informativo a Associação dos Pós- Graduandos da PUC-SP. São Paulo: APG, 2000.

BOLETIM INFORMATIVO DA CCAPES. Brasília: Capes, 1999, V. 7, n 2.

FONSECA, D M. Contribuições ao debate da pós-graduação lato sensu. Brasília: RBPG/Capes, 2004. 2, p. 181.

MATTOS, O R. Consulta ao procurador geral da República sobre a constitucionalidade do Curso de Mestrado Profissionalizante e do seu modo de funcionamento nas Universidades Públicas. Rio de Janeiro: UFRJ, ago. 2000. Mimeo.

ROVANI, Andrezza. Curso prioriza “desempenho longe da lousa”. Folha de São Paulo, 25/07/2005, Seção Empregos.

www.capes.gov.br/capes/portal/conteudo/10/Duvidas_Legislacao.htm.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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